terça-feira, 18 de abril de 2017

Depressão: doença ou frescura?

Às vezes fico me perguntando porque só damos atenção para assuntos sérios quando eles se tornam modinhas, ou pautas polêmicas para o dia a dia? Não existe problema em ser pauta polêmica e sim em ser superficial o que leva ao esquecimento assim que outro suposto desastre social ocorra.

No Japão temas como o bullying e o suicídio entre os jovens são abordados há anos em mangás e animes. Uma pesquisa divulgada BBC News, aponta a preocupação com o retorno as aulas no dia 1 de setembro, data em que o número de suicídio de jovens com idade entre  10 e 19 anos é frequente. Mas pergunto alguém aqui já leu sobre isso. COM CERTEZA NÃO! (leia a matéria inteira)

Crescemos em uma sociedade do descarte, em que não nos chocamos com noticias do tipo: Mais um jovem cometeu suicídio. No máximo, lemos as notícias superficiais que apontam as possíveis causas da tragédia, com intuito de achar um culpado ou simplesmente que demonstre a razão da fraqueza do adolescente em tirar sua vida.

Vivemos em uma sociedade cruel que leva aos jovens (e não só os jovens) a acreditarem que não existe razão para existência humana e a vida é apenas instrumento de dor e decepção, ou satirizando: “o ser humano é apenas alimento” como no filme Matrix. Por falar em filme, vou lembrar de alguns produtos midiáticos para expressar o porquê sempre lemos tudo superficialmente.

Alguém aqui se lembra de um cartoon chamado “A vaca e o Frango”? deste cartoon da década de 90 aponto dois pontos importantes e negligenciado pela leitura superficial que leva apenas a rir das bizarrices do desenho. Primeiro a vaca que indiretamente sofria bullying pela sua ingenuidade e cria um avatar, ou seja, um alter ego a “supervaca” que vive salvando o irmão (o frango) de um personagem que faz referências ao demônio. Segundo na grande maioria dos episódios o frango escreve em um diário a seguinte frase: “Caro diário você não vai acreditar no que estou preste a escrever em você. Não vai mesmo”. O que deixa subentendido a solidão do personagem. Entretanto os risos fazem com que ignoremos o fato. Na verdade, a grande maioria dos cartoon que assimilamos da cultura americana ou não trazem mensagens construtivas ou transformam valores em algo sem importância. Um outro exemplo, é o desenho Os Jovens Titãs em ação. Em um dos episódios - Garoto Fantasma - Mutano trola a Estelar como se fosse um fantasma, no final todos morrem em um vulcão para trolar o Mutano que também acaba morrendo, banalizando a vida.

Por que quando esse tema é abordado com mais seriedade acaba caindo na modinha ou simplesmente nas discussões polemicas das redes sociais? Como é o caso da série 13 Reasons Why, disponível na Netflix.

Assisti a série e confesso que algumas cenas como a do suicídio eu não fui capaz de ver. No entanto o suicídio (sem banalizar aqui a existência e a importância da vida) é apenas o ápice de uma sequência de mal entendidos e de torturas físicas e psicológicas.

A série me remeteu á dois álbuns da Legião Urbana ( A Tempestade ou O Livro dos dias e Uma outra Estação) que de início seriam apenas um álbum duplo, mas considerado muito depressivo deixou várias músicas de fora, e essas foram lançadas como um CD Póstumo um ano após Renato Russo falecer. Tá mas, o que a série tem a ver com esses álbuns? Primeiramente pelo fato de que elas expressam a dor de alguém que está no final da vida, contando os dias para morrer. O verso de A via LácteaQueria ser como os outros e rir das desgraças da vida, ou fingir estar sempre bem. Ver a leveza das coisas com humor” para mim é um soneto a depressão, expressa a mais profunda dor de quem está perdido e não sabe seu caminho. Assim como Hannah Baker.

Talvez, simplesmente talvez, o pedido de socorro dela na escola ou com os amigos não teriam mudado sua dor, mas poderia ter levado a reflexão. Em Aloha Renato Russo diz: “A juventude está sozinha não há ninguém para ajudar a explicar por que é que o mundo é este desastre que aí está”. Sim a juventude está sozinha, nas escolas notamos os abusos verbais, psicológicos e em alguns casos fiscos e fazem como a ficção da série mostrou: um conselheiro aconselhando a tentar esquecer. Ignorando o fato do abuso e a dor psicológica da adolescente. Confesso que essa cena para mim foi a mais forte de todas abordadas na série.

Por que temos a mania de achar que dores psicológicas são dramas ou frescuras que se podem simplesmente tirar do peito como se tira facilmente a calcinha ou a cueca de um (a) jovem fragilizado (a). Desculpem peguei pesado vou reescrever. Por que as pessoas acham que as dores enraizadas na alma são frescuras e se pode supera-las com facilidades?

Certa vez um Frei da Fazenda da Esperança disse em uma missa: “Depressão é falta de oração, busque Maria nas orações e tire isso de você. Lembre-se depressão é falta de oração. Aquilo me doeu os ouvidos e a alma. Minha vontade era ir até ele e dizer: Você quer dizer então que o Monsenhor Jonas Abib não reza? Ridículo a atitude do sacerdote. Abro parentes aqui para reportar que recentemente existe uma preocupação com o número de sacerdotes que comentem suicídio, devido a depressão.

Renato Russo em uma letra fortíssima expressa o último estágio da depressão, será que ninguém nunca refletiu com Clarisse?

A canção toda carrega dor, mas para mim o trecho mais expressivo é: E a dor é menor do que parece quando ela se corta, ela se esquece”. Como assim gente será que ela é masoquistas e acredita que uma dor faz esquecer da outra? Não, é que a dor da solidão, do desespero, da inexistência é imensurável talvez por isso quem não entende chama de frescura ou drama
Para mim Clarisse pode ser apontada como base para série original da Netflix com um diferencial, Hannah deixou as fitas.

E por qual razão Clarisse não serviu de inspiração para uma geração? Fácil a canção jamais seria tocada em FMs por não ter um padrão comercial e porquê já havia sido censurada por ser depressiva. Mas será que a depressão hoje não é mais um tabu? Não, não é, mas continua sendo negligenciada até que o extremo aconteça.

PS: No CD A Tempestade ou O Livro dos Dias, Renato Russo também narra o suicido de Johnny na letra Dezesseis.